Diferente do brinquedo pronto, ele oferece a oportunidade de ser transformado e lapidado pela criatividade
É comum ouvir dizer que as crianças preferem brincar com a caixa do que com o brinquedo que vem nela. Elas veem no simples objeto a oportunidade de criar e construir o que quiserem. Já para os pais, uma simples embalagem não passa de uma caixa de papelão sem valor. Assim, para os pequenos, esse objeto pode se transformar em qualquer brinquedo, seja um carro, um castelo, uma cabana, um foguete, uma cozinha, ou o que a criatividade permitir: trata-se do brinquedo não-estruturado.
Esse tipo de brinquedo propicia uma experiência altamente criativa para a criança, assim sua imaginação precisa estar totalmente acordada, em pleno vigor de funcionamento. “Os brinquedos não-estruturados oferecem a oportunidade de as crianças serem mestres artesãs inventivas, dão a possibilidade de uma maior autoria infantil”, afirma a psicóloga Adriana Klisys, que também é diretora do Caleidoscópio Brincadeira e Arte, uma empresa que promove ações e desenvolve projetos nas áreas de educação e cultura.
Transformação
O brinquedo pronto oferece menos desafios para a criança. Por isso, certamente ela vai investir mais tempo empilhando potes e panelas do que brincando com um brinquedo eletrônico, por exemplo. Já o brinquedo não-estruturado, ressalta Adriana, oferece a oportunidade de ser transformado e lapidado pela imaginação infantil, transformando qualquer coisa em um objeto potente para a criança, pelo simples fato de ser ela quem o criou.
“Esse tipo de brinquedo aumenta a potência de ação da criança porque é coerente com a lógica infantil de querer agir sobre o mundo dos objetos”, explica a psicóloga. Quanto mais se brinca com materiais não-estruturados, maior o potencial inventivo da criança, que precisa criar contornos de significado e sentido para as suas criações.
Por não estar pronto, requer construção por parte da criança, exige empenho e autoria em criar o que não está dado de antemão. “Nesse sentido, muito melhor do que ter fantasias convencionais já prontas por estilistas adultos, é oferecer baús de tecidos (materiais não-estruturados) para que a potência criativa, na construção da fantasia, seja da criança”, sugere Adriana. Se queremos crianças autoras, ressalta, também devemos pensar o que é autoria em matéria de brincar. “Quais brinquedos são mais favoráveis?”, indaga.
O que são brinquedos não-estruturados
Além dos benefícios para o desenvolvimento e para a criatividade, os materiais não-estruturados podem ser facilmente encontrados, e muitas, vezes, não custam nada. A matéria-prima que vem da natureza, por exemplo, oferece um enorme leque de texturas e cores: terra de diferentes tonalidades, areia, água, pedras, conchas, sementes, madeiras, galhos, folhagens e flores com diversos aromas. Outros materiais e objetos interessantes de se ter são provenientes das sobras industriais, comerciais e da construção que são muito convidativas para as criações lúdicas infantis, pela qualidade e quantidade.
Para oferecer uma variedade de experiências para as crianças, o ideal é que a escolha do acervo lúdico das instituições privilegie a mescla de brinquedos não-estruturados, industrializados e artesanais. Adriana ressalta que, em matéria de brinquedos a criança não opta por “isto ou aquilo”, mas ela quer isto e aquilo”. Por isso, lembra que pais e educadores precisam estar atentos a esta amplitude, incluindo em sua brincadeira toda a matéria que estiver disponível ao seu alcance.
“Como vivemos num mundo de hipervalorização do brinquedo industrial plástico, ser includente supõe uma valorização extra dos brinquedos não-estruturados e artesanais, riquíssimos em possibilidades, pela diversidade de matérias com que são feitos e também por seu processo de construção transparente que fornece pistas de como recriá-los”, destaca a psicóloga. Ela lembra que no Brasil há uma abundância inimaginável de brinquedos produzidos de forma artesanal, que exige da criança um uso mais sensível e delicado, diferentemente do tratamento dispensado aos brinquedos inquebráveis plásticos.
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