Na cultura brasileira, a história afro-brasileira e africana se entrelaça e deixa sua herança de forma profunda e inegável.
Elas estão presentes nos mais diversos aspectos do cotidiano, como ritmos musicais, festas populares, artes visuais, religiosidade, pratos típicos e outros elementos que são testemunhos vivos da profunda conexão histórica entre o Brasil e o continente africano.
No mais, segundo dados do censo do IBGE, a maior parte da população — 55,5% das pessoas — se identifica como negra e afrodescendente, um movimento que reflete mudanças sociais importantes de reconhecimento de pertencimento étnico-racial.
Neste artigo, vamos falar sobre a importância de explorar essa rica herança nas escolas, o papel da Lei 10.639/03 e maneiras como esse tema pode ser abordado com crianças e adolescentes nas aulas. Acompanhe!
O que estabelece a lei sobre o ensino da história afro-brasileira e africana nas escolas?
Promulgada em 9 de janeiro de 2003, a Lei 10.639/03 representa um marco significativo no contexto educacional brasileiro ao estabelecer diretrizes claras para o ensino da história afro-brasileira e africana nas escolas.
A legislação determina como obrigatória a inserção da temática no conteúdo programático de todas as instituições de ensino no ensino fundamental e médio. A ideia é incluir o estudo da história da África e dos povos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura afro-brasileira e o papel do negro na formação da sociedade nacional.
Além disso, a lei ressalta a importância de abordar a valiosa contribuição dos povos negros nas áreas social, econômica, política e sobretudo na formação da cultura brasileira, reconhecendo sua relevância para a história do Brasil como um todo.
O ensino da história afro-brasileira nas instituições de ensino na construção da diversidade
Passados mais de 20 anos desde a implementação da Lei 10.639/03, poucos avanços foram percebidos e muitas escolas e docentes ainda apresentam muitas dúvidas e dificuldades sobre como incluir essas temáticas nas aulas.
Grande parte dos desafios reside no fato de como a educação é estruturada em muitas instituições de ensino. Na prática, a efetividade da lei demanda um processo de “descolonização do currículo”, que, em muitas escolas, continua sendo predominantemente eurocêntrico.
A cultura afro-brasileira e africana no confronto ao eurocentrismo
Nos conteúdos curriculares, quando se estudam disciplinas como literatura, química ou filosofia, os jovens estudam sobre cientistas e escritores europeus, filósofos gregos e outros autores e autoras que são predominantemente europeus e brancos.
A ausência de autores, escritores e cientistas afro-brasileiros, como Machado de Assis, Lima Barreto e Conceição Evaristo nos currículos é notável, e os materiais didáticos e referências nas aulas são, em grande parte, limitados a um grupo racial.
Somado a isso, existe a retrógrada narrativa da colonização brasileira, que por muitos anos foi contada a partir de um viés único: a do colonizador europeu. Isso nos leva a refletir sobre a importância de não nos limitarmos ao relato de uma única história, pois nossas vidas e culturas são feitas de múltiplas histórias entrelaçadas.
A romancista Chimamanda Adichie compartilha a história de como descobriu sua voz cultural — e adverte que, se ouvirmos apenas uma história sobre outra pessoa ou país, corremos o risco de um erro histórico.
Nesse sentido, a hierarquização e visão do colonizador como dominante e das pessoas negras como subjugadas contribuíram para minimizar a valorização da identidade, da diversidade e da jornada desses diferentes povos que vieram e que formaram esse país.
Afinal, por muito tempo, nos materiais didáticos e na formação docente, a história afro-brasileira foi essencialmente escrita e contada por brancos, sem que essas pessoas pudessem ter qualquer tipo de protagonismo.
Esse é um cenário que tanto a Lei 10.639/03 como a Educação Antirracista buscam transformar.
A Educação Antirracista parte do princípio de que vivemos em uma sociedade na qual há um racismo estrutural e propõe uma abordagem que vai além da simples inclusão de informações sobre a história afro-brasileira de forma isolada ou apenas em atividades para datas comemorativas — como o Dia da Consciência Negra.
Sua proposta é desconstruir narrativas eurocêntricas dominantes e questionar as estruturas que perpetuam a marginalização e a exclusão dos negros na sociedade.
A ideia é integrar a cultura e história afro-brasileira de forma transversal, incluindo a produção de expoentes negros em todas as disciplinas e níveis de ensino e tornando o currículo mais diverso e com igual valorização das produções africanas, bem como não fazer a diferenciação do tom de pele no trânsito pela sociedade.
Com isso, a Educação Antirracista incentiva a adoção de práticas pedagógicas que promovam o diálogo intercultural, o reconhecimento da pluralidade de experiências e a valorização das contribuições de todos os grupos étnico-raciais.
O processo de mudança não envolve somente a adoção de novos materiais e treinamento docente que prepare professores para trabalhar temas como representatividade e questões raciais, mas também de uma mudança de discursos, lógicas, atitudes e posturas.
Como a história afro-brasileira e africana pode ser abordada em sala?
Confira a seguir algumas atividades que podem ser feitas para abordar essa importante temática.
Roda de conversa sobre personalidades negras
Nessa atividade, os estudantes são convidados a pesquisar sobre figuras históricas e contemporâneas afro-brasileiras e africanas que tiveram impacto significativo em diversas áreas, como política, arte, ciência, esportes, entre outras.
Após a pesquisa, realiza-se uma roda de conversa para que compartilhem suas descobertas e façam uma análise crítica do motivo pelo qual essas pessoas são raramente mencionadas nos currículos acadêmicos e não figuram no cânone mundial.
Debate sobre identidade nacional
O que forma a identidade nacional brasileira? Essa atividade visa engajar os estudantes na reflexão sobre o tema e pensar na pluralidade e complexidade na nossa cultura e identidade.
Além disso, vale a pena engajá-los a discutir de forma crítica sobre as visões estereotipadas dos povos africanos e indígenas na formação do nosso país, que muitas vezes ganha um viés exótico ou romântico.
Contação de histórias
Uma forma acessível de valorizar a cultura e história afro-brasileira e africana é incluir histórias e contos antigos de origem africana no cotidiano das escolas.
Em vez de abordar as históricas clássicas e conhecidas de sempre, é uma boa ideia trazer a leitura dessas fábulas que falam muito sobre a herança cultural e histórica de povos africanos.
Sugestões de livros sobre cultura afro e afro-brasileira
O trabalho sobre a temática da cultura e história afro-brasileira e africana também pode continuar em casa, o que é um passo importante na promoção de uma Educação Antirracista.
Confira, a seguir, algumas sugestões de obras que você pode ler com seus filhos em casa.
“Meus Contos Africanos” por Nelson Mandela
Este livro apresenta uma coletânea de contos africanos selecionados pessoalmente por Nelson Mandela, um dos mais emblemáticos líderes do movimento anti-apartheid na África do Sul.
As histórias transportam os leitores para diferentes partes do continente africano, oferecendo uma visão cativante da rica tradição oral africana, repleta de sabedoria, humor e lições de vida.
“Contos Africanos para Crianças Brasileiras” por Rogério Andrade Barbosa
Nesta obra, o autor reúne uma seleção de contos tradicionais de diversas regiões da África, adaptados para o público infantil brasileiro.
Os contos abordam temas universais, como amizade, coragem, respeito à natureza e resolução de conflitos, oferecendo às crianças uma oportunidade de mergulhar na riqueza e diversidade das narrativas africanas.
“Catálogo de Jogos e Brincadeiras Africanas e Afro-brasileiras” organizado por Helen Pinto, Luciana Soares Da Silva e Míghian Danae
Este e-book é um material que pode ser baixado gratuitamente e faz parte do Acervo Equidade Racial Na Educação Básica. Trata-se de uma compilação de jogos e brincadeiras tradicionais praticados em diferentes países da África e em comunidades afrodescendentes no Brasil.
Além de proporcionar momentos de diversão e interação entre as crianças, os jogos também são uma forma de preservar e valorizar a cultura e a identidade afro-brasileira.
“O Conselho de Griôs” por Manoel Filho Borges e Lucelina Gomes dos Santos
Este livro narra a história de um grupo de Griôs, os sábios contadores de histórias da tradição africana, que se reúnem para discutir e compartilhar seus conhecimentos e experiências.
Por meio das narrativas dos Griôs, as crianças são introduzidas a aspectos importantes da cultura africana, como mitos, lendas, tradições e valores.
O ensino da história afro-brasileira por um viés da Educação Antirracista não se restringe ao conhecimento de fatos históricos, mas se torna uma ferramenta poderosa para a transformação social, construção de uma cultura de respeito e valorização da diversidade.
Que tal continuar a explorar narrativas sobre representatividade negra com seus filhos? Aproveite e confira este outro artigo com 10 livros infantis com protagonistas negros.
Resumindo
O que é a cultura afro-brasileira?
A cultura afro-brasileira refere-se ao conjunto de tradições, expressões artísticas, religiosas, culinárias e sociais que são influenciadas pelas contribuições dos africanos e seus descendentes na formação da identidade brasileira.
Como se caracteriza a cultura afro-brasileira?
A cultura afro-brasileira se caracteriza pela influência das tradições, costumes e expressões dos povos africanos e seus descendentes na sociedade, incluindo manifestações religiosas (como o candomblé), artes (como o samba e a capoeira), culinária (como o acarajé), festividades e rituais, além de contribuições significativas para a língua, música e dança do Brasil.
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